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Sociedade reage contra redução da maioridade penal

Linha fina
Deputados, magistrados, advogados, governo e secretários de Justiça condenam tanto manobra que aprovou PEC 171 em primeiro turno, na Câmara, como redução em si, de 18 para 16 anos
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São Paulo – Um grupo suprapartidário de 60 deputados decidiu, em reunião na tarde de quinta 2, elaborar um mandado de segurança a ser interposto na segunda-feira 6 no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da sessão que aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, na Câmara. A PEC trata de redução da maioridade penal dos atuais 18 anos para 16 anos para crimes hediondos.

Além dos deputados, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quase todos os secretários estaduais de Justiça do Brasil e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também engrossam o coro tanto contra a forma como a PEC foi aprovada como contra a redução em si.

Os parlamentares também vão estudar uma possível medida judicial, restrita à conduta do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por quebra regimental.

Em paralelo, o grupo vai trabalhar para ampliar a mobilização das entidades da sociedade civil contra a redução da maioridade penal e se articular com o Senado para alterar o teor da PEC, caso não haja mudança na votação em segundo turno na Câmara.

Autoritarismo – Fazem parte do grupo, entre outros, Alessandro Molon (PT-RJ), Glauber Braga (PSB-RJ), Henrique Fontana (PT-RS), Paulo Rocha (PT-SP), Paulo Teixeira (PT-SP), Ivan Valente (Psol-SP), Chico Alencar (Psol-RJ), Jandira Feghali (PCdoB- RJ), Erika Kokay (PT-DF) e Paulo Pimenta (PT-RS). A reunião dos deputados representou uma espécie de guerra declarada ao grupo liderado hoje por Cunha, formado em grande parte pelas bancadas que representam evangélicos e o empresariado.

Segundo Molon, o trabalho dos deputados terá de ir além da questão que envolve a PEC 171. “Vamos mostrar ao STF que o presidente da Câmara está adquirindo o hábito de levar as votações à exaustão, por meio de emendas aglutinativas que são apresentadas e apresentadas até serem aprovadas da forma como ele quer. Se ficar assim, ficará comprovado que, neste parlamento, quem detiver a agenda terá sempre o poder e isso não é compatível com um ambiente democrático”.

Fontana disse que não há mais como admitir a postura de Eduardo Cunha e que o que se viu na última sessão representa forte prática casuística. “O presidente desta casa tem sido muito arrogante na conduta dos trabalhos legislativos e age como quem quer ser o dono do plenário. Só se pode explicar suas atitudes a partir do autoritarismo de quem não é capaz de respeitar um resultado e comete ilegalidades”, ressaltou.

“Se aceitarmos essa interpretação do regimento, estaremos abrindo precedentes onde nunca mais aprovaremos nada que alguns não concordam, porque farão votações intermináveis para atender à vontade deles”, avaliou o atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Paulo Pimenta (PT-RS).

“Golpe” – A manobra de Cunha para aprovar a redução da maioridade foi chamada de golpe pelos deputados contrários à PEC, pois ela havia sido rejeitada na noite anterior, pelo mesmo plenário. Para tal, o presidente da Câmara, notório defensor da aprovação, apresentou emenda aglutinativa modificando o teor do texto rejeitado, o que foi amplamente contestado não apenas pelos deputados como também por outros setores da sociedade.

O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, também disse que vai recorrer ao STF, caso a proposta seja aprovada pelo Senado. “Constitucionalmente, a matéria rejeitada não pode ser votada no mesmo ano legislativo. A redução da maioridade, que já tinha a inconstitucionalidade material, porque fere uma garantia pétrea fundamental, passa a contar com uma inconstitucionalidade formal, diante deste ferimento ao devido processo legislativo.”

Em nota, a AMB afirma que a alteração é inconstitucional por abolir diretos e garantias individuais. Segundo a entidade, o Artigo 228 da Constituição não pode ser alterado. O texto da norma diz: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

“Esse é mais um retrocesso para a democracia brasileira. O sentimento de todos os operadores do sistema de infância e juventude hoje é de indignação. Buscar a redução da maioridade penal como solução para a diminuição da violência juvenil, sem o profundo e importante debate, trará intangíveis danos à sociedade”, declara a Associação os Magistrados.

Vidas perdidas – O diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato Devitto, divulgou outro manifesto contra a medida, assinado por 24 dos 27 secretários de Justiça do país, que será entregue a parlamentares da Câmara e do Senado.

Somente os secretários de São Paulo, Sergipe e Goiás não assinaram.

“Para nós, é muito claro, e praticamente uma unanimidade entre os secretários de Justiça, que não resolveremos a violência urbana apostando no aumento da população prisional. O contingente de adolescentes que requerem um procedimento especial é mais um problema com que nós, gestores, teremos que lidar”, disse Devitto.

Segundo o diretor do Depen, o sistema prisional já tem déficit de 231 mil vagas e, se a proposta for aplicada, “dezenas de milhares de adolescentes” vão entrar nele. Hoje são 607 mil presos para 376 mil vagas. A redução da maioridade penal, segundo ele, aumentaria em cerca de 40 mil o número de pessoas.

O discurso dos secretários e do diretor da Depen coincidem com declarações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que manifestou preocupação com a medida. Para ele, não há espaço nas prisões para separar os adolescentes do resto da população carcerária, como reza o texto dos deputados. “Até que se criem as vagas para os adolescentes de 16 e 17 anos, eles serão trancados nos presídios atuais e as organizações criminosas vão cooptar esses jovens. E, quando o Brasil acordar disso, já teremos perdido muitas vidas.”

Redação, com informações da Rede Brasil Atual e Agência Brasil - 3/7/2015
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