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Consuelo mostra que quem veste saia não foge à luta

Linha fina
Aos 88 anos, a primeira mulher a participar das assembleias do Sindicato, ainda na década de 1950, define-se como revolucionária e apaixonada pela luta incessante em busca de igualdade e justiça
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São Paulo - Jovem, revolucionária, rebelde com causa, amante da poesia. Aos 32 anos, Consuelo de Toledo Silva foi a primeira mulher a integrar a direção do Sindicato, em 1957. A trajetória foi rápida, já que se tornou bancária em 1952, quando saiu de Campinas, onde nasceu, e veio para São Paulo. Orgulha-se do registro em sua carteira de trabalho: Banco Comércio e Indústria de São Paulo, como datilógrafa e copista.

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Em 1954, já flertava com o Sindicato e debatia com as trabalhadoras sugerindo a participação feminina na entidade. Após um papel tímido das bancárias, em 1957 o Sindicato ganhou suas primeiras diretoras: Consuelo e Maria Aparecida Galvão. No mesmo ano, a categoria conquistou a almejada jornada de seis horas para todos os funcionários dos bancos e a aposentadoria por tempo de serviço.

Fazer com que os bancários cumprissem a conquista recente era um desafio. “O que eu tirei de funcionário de dentro de banco que trabalhava fora do horário... Já existia a jornada de 6 horas, mas tive de brigar muito para que os trabalhadores cumprissem”, conta Consuelo.

Logo em suas primeiras atuações no Sindicato, a dirigente já “causava”, como ela mesma diz. Em assembleia realizada no Teatro Paramont, em que foi aprovada uma paralisação, ela pediu a palavra e desafiou: “‘O bancário que quiser furar a greve fala comigo, que troco minha saia pelas calças dele’. A assembleia veio abaixo!”.

Durante entrevista no apartamento alugado desde 1999 no Edifício Copan – obra de Oscar Niemeyer e cartão postal da cidade de São Paulo –, Consuelo mostra que continua independente aos 88 anos. Mora num bloco onde residem cerca de 2 mil pessoas distribuídas em 640 apartamentos. A arquitetura beneficia: ao invés de escadas, rampas. No térreo, tudo o que Consuelo precisa no dia a dia. “Faço tudo aqui. Tem supermercado, tem tudo.”

Apontando para um cesto atrás da porta, conta que de vez em quando passeia pela Praça da República. “Aquela ali (a bengala) eu uso quando saio de casa. Meu corpo precisa, mas minha cabeça está ótima.”

Dentre os fervorosos dirigentes sindicais bancários das décadas de 1950 e 1960, Consuelo era da turma de apreciadores de poesia. Chegou a participar de concursos no Sindicato. Casou-se com um escritor e tradutor, em 12 de junho de 1964 – ela faz questão de dizer que era o Dia dos Namorados.

Mas nem todas as lembranças são doces. Em 5 de maio daquele ano, logo no início da ditadura, foi presa e ficou detida durante um mês no Deops (Departamento de Ordem Política e Social), braço repressor do regime militar. O orgulho que tem da luta por democracia transparece nos relatos sobre a prisão. “Era uma celinha menor que meu banheiro. Eu era a única mulher presa.” Do Deops, no Largo General Osório, onde hoje funciona o Museu da Resistência, ela achava que seria levada a outra cidade e fuzilada, mas foi “salva” pelo futuro sogro, na época general no Rio de Janeiro. Não foi torturada e nem sofreu maus tratos físicos, mas guarda os desgastes psicológicos típicos da repressão.

Orgulho ainda maior demonstra ao falar sobre a atuação sindical. “Nas greves, minha função muitas vezes era servir café e sanduíche”, conta, sem menosprezar a tarefa, até hoje fundamental durante as paralisações da categoria.

Certa vez, Consuelo fechou a porta de uma agência bancária ao colocar um palito de fósforo no buraco da fechadura. “A greve é uma pequena revolução”, disse ela ao delegado, chamado por representantes do banco que queriam forçar a abertura do local. “Eu tinha sempre a resposta na ponta da língua.”

Depois do Sindicato, trabalhou na federação dos bancários como secretária. “Ajudei a fundar 27 sindicatos no estado de São Paulo. Era preciso primeiro fundar a associação.” Ela conta que foi a uma delegacia regional do trabalho e arranjou exemplares da legislação trabalhista para distribuir nesses sindicatos. “Eu dizia pra eles lerem se precisassem de informação, não ligar para ninguém, precisavam conhecer os direitos!”

Consuelo mantém na estante, ao lado de suas fotos, uma do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e outra da presidenta, Dilma Rousseff. Para não se enganar quem pensa que a militância política e sindical ficou para trás, é filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) até hoje. Até há pouco participava de mobilizações no centro da cidade. Aposentouse do trabalho, mas seu amor por todo esse movimento continua na ativa.


Gisele Coutinho - 8/4/2013

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