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Seminário debate tecnologia bancária

Linha fina
De um lado a defesa da utilização cada vez maior dos meios virtuais e do outro o impacto na vida dos trabalhadores e clientes dos bancos
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São Paulo – É um fato que a tecnologia chegou para ficar. Mas os impactos que a utilização desses meios virtuais têm na vida dos trabalhadores, em especial dos bancários, e dos clientes dos bancos precisa ser levado em conta. Esse foi o principal recado dado pela diretora do Sindicato e pesquisadora do Centro 28 de Agosto, Ana Tercia Sanches, no seminário Tendências em Tecnologia realizado na quinta-feira 17, em São Paulo. Organizado pelo Comando Nacional dos Bancários e pela federação dos bancos (Fenaban), a realização desse encontro foi um dos compromissos assumidos durante as negociações da Campanha Nacional 2013.

O debate contou com a participação de Gustavo Fonseca, ex-diretor do ABN Amro e sócio da McKinsey&Company, consultoria da área de tecnologia, e foi mediado por José Pastore, professor da Faculdade de Economia da USP.

Fonseca lembrou que dobrou o número de transações bancárias feitas via TI (tecnologia da informação). A implantação dos meios eletrônicos de pagamento, por exemplo, permitiram que as transações financeiras no Brasil saltassem de 23 bilhões em 2009 para 50 bilhões em 2013, crescimento de 270% em cinco anos.

“O que sustenta o impacto do setor financeiro é sua capacidade de se reinventar via tecnologia”, afirmou. As transações por meios tradicionais caíram de 56% em 2008 para 41% em 2012. As realizadas por meios virtuais subiram de 30% para 42%. “O número de transações por celular aumenta exponencialmente. Internet banking pode ser coisa do passado em três a cinco anos”, acredita.

Para Ana Tercia, o uso da tecnologia deve ser analisado em toda a sua dimensão.

“Sabemos da sua importância, mas ela tem desvantagens também. E os benefícios são apropriados de forma igual por todos?”, questiona, lembrando que diversos canais de atendimento – como os ATMs, correspondentes, a internet – têm esvaziado o trabalho bancário. “Há uma clara redução de custos para os bancos com papel, material, arquivos fixos, postagem, transporte, força de trabalho. Nas chamadas agências do futuro, cargos e funções são extintos, automatizados ou terceirizados. Enquanto isso, os clientes incorporaram tarefas feitas pelos trabalhadores. E assumiram custos como o computador da sua casa, o celular, softwares. Mas continuam pagando tarifas e custos do crédito elevados enquanto a redução do gastos via tecnologia por transação é de 25%”, reforça a dirigente.

Ana ressaltou ainda que muitos clientes preferem o atendimento presencial e 51% da população brasileira recebe salário em dinheiro.

“É preciso debater que projeto de bancarização queremos. Não pode envolver só pagamento e recebimento, mas abrir conta-corrente, conversar com alguém que de sustentação sobre o que fazer com a poupança que tem, como conseguir crédito a juros que não sejam escorchantes.”

Sobre a defesa feita por Gustavo Fonseca, da utilização do mobile bank (transações via celular) como ferramenta do futuro, Ana frisou: das 15 empresas mais reclamadas no Brasil, cinco são bancos e quatro de telefonia. “Sem falar no alto custo que esse tipo de transação tem para o cliente.”

Inevitável – Para o mediador José Pastore a apreensão é legitima, mas a inovação tecnológica é inevitável. “Para participar da economia global não há outro jeito que não utilizar racionalmente as tecnologias. Mas há pleitos para atenuar a utilização da TI, no verdadeiro impacto que tem sobre o emprego.”

Gustavo acha que a geração de emprego se dá por toda a cadeia que está por trás da TI, tanto a partir do que desenvolve como o que gera pela frente. Ana rebateu, informando que a criação de empregos em geral não cresce na mesma proporção que aqueles da carreira de TI, o que gera uma grande economia com força de trabalho por parte das empresas. “O Brasil vem criando empregos graças ao crescimento econômico”, salientou. “E é preciso deixar claro que o uso da tecnologia para diversão é uma coisa, mas para o trabalho é outra”, observou a pesquisadora, quando confrontada com a questão da demanda da sociedade pelos meios virtuais. “Tecnologia tem de trazer mais conforto, redução do tempo de trabalho.”

E lembrou que a função de caixa tem hoje 27% dos bancários. Como ficam esses profissionais diante da informatização crescente? “Muitos clientes preferem ser atendidos nas agências. Queremos pensar o sistema, as transformações do sistema e as pessoas envolvidas”, explicou a dirigente sindical. “Mais uma vez são escolhas que a gente pode fazer. No setor financeiro tem a questão da qualidade para os clientes. Não há como achar que barateia a força de trabalho e continua com o mesmo serviço. Os processos de automação são muito próximos da terceirização. Enquanto isso, os dados dos clientes ficam circulando por aí, quando deveriam ser muito bem guardados para que o sistema seja sólido.”

Gustavo disse que em cinco anos deve dobrar o número de transações no mercado feitas só com TI, e destacou os graves problemas com fraude e os altos investimentos necessários para cuidar disso. “Impacto pode ser grande se houver erro. Tecnologia pode ser mortal”, afirmou o ex-executivo do ABN, ao que completou o mediador Pastore: “mas não o suficiente para ser estancada”.

O professor lembrou ainda de como era o banco da sua mocidade: com atenção, pessoalidade. “Nem poderia ser chamado de banco nos tempos atuais.”

A pergunta que fica, de um debate que deve ser cada vez mais aprofundado, é por que não. Por que só o lucro dos bancos tem de crescer? Por que a transformação meteórica do mundo tem de contar com a precarização do trabalho, do atendimento e da qualidade dos serviços prestados pelos bancos aos seus clientes? Por que tem de resultar no adoecimento dos bancários? Por que tanto lucro para poucos e desemprego para tantos? “Isso desorganiza a sociedade”, afirma Ana Tércia. “Nós do movimento sindical temos propostas para minimizar os impactos sociais para clientes e trabalhadores. Garantir que os processos de automação não provoquem ainda mais desemprego. Trabalhadores podem e devem ser reaproveitados em outras funções. Pode e deve haver respeito à jornada não se utilizando dos meios de comunicação disponíveis para estender tempo de trabalho. Os bancos podem e devem manter atendimento presencial de qualidade. As novas tecnologias devem beneficiar trabalhadores, clientes e toda a sociedade - e não apenas os bancos.”


Cláudia Motta – 18/7/2014
 

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