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Santander revive inquisição espanhola

Linha fina
Bancários denunciam demissões, pressão psicológica e afastamentos arbitrários após auditorias internas marcadas por desrespeitos e acusações infundadas
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São Paulo – A auditoria do banco Santander utiliza métodos de interrogatório que remetem aos tempos da inquisição espanhola. O departamento responsável tem um nome sugestivo: Gerência de Ocorrências Especiais (GOE). Os inquéritos muitas vezes acabam em demissão por justa causa ou afastamentos.

A inquisição espanhola foi uma instituição criada na Idade Média para perseguir, julgar e punir pessoas acusadas de se desviar de suas normas de conduta.

Segundo a diretora executiva do Sindicato Vera Marchioni, o setor convoca o trabalhador para uma reunião sem que este saiba com clareza os motivos, ou aparecem de surpresa na agência para colher o depoimento. Na maioria das vezes as interpelações iniciam já insinuando que os trabalhadores são culpados.

É o caso do ex-funcionário Paulo (nome fictício). Ele denuncia que em julho foi convocado para uma reunião com dois integrantes da GOE, que lhe perguntaram qual o procedimento por ele realizado que era contra as normas do banco.

“Respondi que não fazia nada de errado e que sempre seguia as normas. Sempre com tom arrogante e ofensivo eles queriam que eu confessasse que estava acessando as contas para passar informação para fraudadores. Falei que não iria confessar algo que não fiz.”

Ele conta que após as acusações, os integrantes da GOE lhe obrigaram a escrever e assinar uma carta relatando o ocorrido. “Me senti coagido com a situação e como eu não devo nada fiz uma carta informando que não reconheço as contas acessadas.”

Em seguida, segundo Paulo, retiraram seu crachá, cortaram seu acesso ao sistema e informaram aos gestores para que ele se retirasse da agência, pois a partir daquele momento se encontrava suspenso.

“Comecei a passar mal, minha pressão caiu e eu não conseguia ficar em pé e não parava de tremer. Por quase uma hora tive vômito e diarreia. Depois desse ocorrido estou com gastrite nervosa, não consigo dormir sozinho, tenho pesadelos com o constrangimento que passei e quando lembro da cena começo a chorar. Pela primeira vez na vida tive que procurar ajuda de um psiquiatra.”

Orientação – A diretora executiva do Sindicato Vera Marchioni salienta que o bancário convocado para prestar esclarecimento não é obrigado a assinar nenhum documento ou fazer declaração de próprio punho.

“No momento de estresse o trabalhador não tem condições de avaliar o que está assinando. Também não encaminhe nenhuma declaração ou relato por e-mail, por mais banal que possa parecer, sem antes conversar com o Sindicato.”

Outra arbitrariedade é que o banco não entrega ao trabalhador cópia da sua declaração. “Isso também é ilegal, exija cópia de qualquer documento onde tenha sido colhido a sua assinatura.”

Vera alerta, ainda, que o banco muitas vezes faz uso dessas cartas contra o próprio trabalhador em uma eventual demissão. “O Santander é o banco que mais demite por justa causa.” E ressalta que recentemente quatro bancários da agência Jardim Novo Mundo também foram penalizados com esse tipo de dispensa. “Se for convocado pela GOE, entre em contato com o Sindicato para orientações.”

Para o Sindicato está claro que o Santander vem repassando para os trabalhadores, via demissão por justa causa, os riscos do seu negócio. “Os trabalhadores estão sendo culpados por fraudes de terceiros, falhas nos sistemas e processos internos, excesso de trabalho etc. Queremos mudanças nas auditorias e que os trabalhadores sejam tratados com dignidade”, completa a dirigente Maria Rosani.

Trabalhar demais – Francisco (nome fictício) foi outro bancário que passou pelas mãos da GOE. Ele conta que foi demitido por justa causa, sem, no entanto, saber o motivo exato do desligamento.

Segundo o ex-funcionário, o gerente regional de atendimento – gestor que rescindiu seu contrato – especificou apenas que tinha a ver com a marcação do ponto eletrônico. Francisco conta que nos últimos meses teve de entrar mais cedo na agência para conseguir dar conta das inúmeras tarefas diárias.

“Nesse período, chegava ao meu posto de serviço em média meia hora antes do horário. No ano de 2013 a agência perdeu cerca de 10 funcionários desligados, afastados, transferidos, promovidos etc. E eu tinha que garantir um bom atendimento mesmo com essa defasagem de funcionários, bem como a entrega e o cumprimento das minhas tarefas de gerente de atendimento.”

Ele conta que a marcação do ponto eletrônico fora do horário foi evidenciada durante uma auditoria da GOE na unidade bancária. Segundo Francisco, o superintendente regional e o gerente regional de atendimento asseguraram que o problema já tinha sido resolvido e que após a auditoria, ele seria no máximo advertido.

Francisco assinou um relato sobre o que vinha ocorrendo. No entanto, ao invés de uma advertência, foi demitido por justa causa.

“Por burrice minha coloquei meu trabalho à frente da minha vida social, era cobrado pela minha esposa por chegar estressado e o que eu ganhei? Uma [demissão por] justa causa, que além de causar uma tristeza enorme, faz com que eu me sinta como uma máquina, que depois de utilizada vira sucata e é descartada da pior forma possível, sem ao menos analisarem meu histórico e minhas altas notas de avaliação”, desabafa o bancário.


Rodolfo Wrolli – 7/8/2014
(Atualizada às 12h53 de 21/6/2016)

 
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