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Artigo: Temos de modificar o modelo de Estado para a recuperação da economia e emprego

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São Paulo, 29/06/2020

 

Por Ivone Silva 

 

As previsões econômicas para os próximos anos são extremamente pessimistas. A economia brasileira antes do Coronavírus vinha de uma recessão gravíssima, seguida da mais lenta e pífia recuperação de nossa história. Já vínhamos com altas taxas de desemprego, desigualdade de renda, elevada informalidade e precarização das relações de trabalho pós reforma trabalhista e, agora com a pandemia, as incertezas só se aprofundam, ainda mais diante de uma crise sem precedentes que afeta o mundo. 

O DIEESE prevê uma queda na atividade econômica de 8,5% para 2020. Para 2021, a incerteza ainda é maior. As providências tomadas pelo governo federal são muito tímidas se levarmos em consideração a gravidade da pandemia. Não há um plano centralizado e estruturado para que a economia atravesse esse período com o mínimo de sequelas possível e, pior ainda, não há qualquer planejamento de retomada econômica para o pós-pandemia. Sem considerar a crise política que estamos atravessando em plena pandemia que agrava ainda mais esse momento. 

Se após a pandemia o governo mantiver a mesma política econômica que está sendo adotadas hoje, os riscos para a economia brasileira serão ainda mais graves, pois diante de uma total ausência de investimentos privados, somente uma política de investimento público massivo poderia evitar uma maior recessão. No entanto, vemos a equipe econômica do governo insistir na agenda das reformas recessivas e da austeridade. Na atual situação seria mais correto chamar de austericídio.

Esta agenda é, na verdade, a agenda do setor financeiro que vê possibilidades de lucros ainda maiores com a privatização da seguridade social. Basta ver, por exemplo, como a reforma da previdência impulsionou a venda de previdência privada por parte dos bancos.

Se o setor financeiro brasileiro historicamente representou uma âncora ao desenvolvimento econômico e social do país, com crédito caro e escasso, cobrança de tarifas abusivas, lobby por política econômica recessiva, estas tendências podem se ampliar após a pandemia.

O setor bancário é o que mais investe em tecnologia nos últimos anos e se verificava uma crescente transformação nos meios de pagamento. A pandemia vai acelerar essa transformação e acredito que essa tendência se aprofundará no pós-pandemia. Cada vez mais as pessoas se utilizarão dos canais digitais, tanto internet quanto celular, para realizar suas transações financeiras. A consequência desse comportamento para os bancos é o aumento de seus lucros. A estratégia dos bancos é passar o máximo de transações possíveis para os meios digitais e também automatizar processos internos. E vários aspectos das relações de trabalho nos bancos são afetadas pelas novas tecnologias.

O primeiro aspecto que pode ser observado é o desemprego tecnológico, na medida em que muitas ocupações importantes do setor, principalmente ligadas às transações financeiras passam a perder importância na medida em que as transações são realizadas na internet ou no smartphone. Por exemplo, entre janeiro de 2013 a dezembro de 2019 os bancos fecharam 70.006 postos de trabalho, o que equivale a uma redução de mais de 13% da categoria. Outros aspectos como mudanças na jornada, na intensidade do trabalho, nas tarefas exigidas também tem preocupado os bancários e o sindicato. Por exemplo, nas chamadas agências digitais atende-se muito mais clientes por bancário do que nas agências tradicionais, o que pode gerar uma série de problemas de saúde na categoria como já observamos nos últimos anos com grande quantidade de afastamentos por transtornos mentais como depressão e ansiedade. 

Outro aspecto a ser destacado é a possibilidade de se ampliar ainda mais o teletrabalho, autorizado pela reforma trabalhista de 2017, principalmente no setor bancário, o que demandará um grande desafio das entidades sindicais em garantir boas condições de trabalho para esses trabalhadores.

Esse é um momento importante para uma reflexão do papel do sistema financeiro. Para que servem os bancos? Eles poderiam ser um elemento de saída da crise? Teriam capacidade de ajudar a mudar o cenário de uma economia? A resposta é sim, mas isso dependeria de uma série de decisões políticas que parecem estar absolutamente distantes da orientação do atual governo.

O Sistema Financeiro brasileiro é extremamente concentrado, com cinco grandes bancos sendo responsáveis por, praticamente, 90% do total de ativos do setor, o que ajuda a explicar o funcionamento oligopolista que leva as taxas de juros a níveis estratosféricos. Ou seja, já que os clientes não têm opção de escolha, os bancos cobram o quanto querem. Por outro lado, temos outra característica que nos permitiria fugir desta armadilha que é o fato de que metade das operações de crédito no país ser originada em bancos públicos.

E qual o papel do Estado para a população? Queremos um Estado para poucos, com o aumento da concentração de renda ou para muitos, com investimento em saúde, educação e fortalecimento das empresas públicas? Os bancos públicos não funcionam necessariamente dentro da mesma lógica mercantil do setor privado e poderiam, por decisão de governo, serem utilizados como instrumentos de política pública, elevando crédito mesmo em contexto de crise e reduzindo a taxa de juros, obrigando assim a concorrência privada a seguir o mesmo caminho.  O Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, O BNDES e os bancos regionais são instrumentos poderosos que já mostraram sua capacidade de ativar o investimento e o mercado interno em períodos recentes, mas o atual governo caminha no sentido contrário. O crédito nos bancos públicos caiu 5% em termos reais em 2019, em relação a 2018. No BNDES a queda foi de mais de 16%.

Não haverá retomada do emprego e melhora na economia sem investimento e coordenação do Estado, sem o fortalecimento dos bancos públicos fomentando o crédito e o crescimento do país. A agenda neoliberal das reformas e da austeridade vai nos levar para um retrocesso como jamais experimentamos antes e a retomada de patamares mínimos de bem-estar para a população pode ser um caminho de décadas se não mudarmos os rumos atuais de forma urgente.

 

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